O MANUAL DA GUERRILHA
Como roubar, fraudar
cadastros do governo e até fabricar bombas e trincheiras
está tudo na cartilha
secreta do MST apreendida pela polícia
LAÇOS DE SANGUE A invasão
de uma fazenda pelo MST(acima)
e a marcha de soldados das
Farc, guerrilheiros colombianos estão entre os sem-terra.
A fazenda Estância do Céu
era uma típica propriedade dos pampas gaúchos.
Localizada em São Gabriel,
a 320 quilômetros de Porto Alegre, seus 5 000 hectares eram ocupados por 10 000
bois e 6 000 carneiros que pastavam entre plantações de arroz e soja.
O cenário, de tão
bucólico, parecia um cartão-postal.
Tudo mudou na fria e ensolarada
manhã do dia 14 de abril passado.
Por volta das 7 horas, 800
integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (o MST) invadiram a
propriedade aos gritos.
"NÓS GANHAMOS. GANHAMOS DOS PORCOS. A FAZENDA É
NOSSA".
Armados com foices, facões,
estilingues, bombas, rojões, lanças, machados, paus e escudos, os sem-terra
transformaram a Estância do Céu em um inferno.
Alimentos e produtos
agrícolas foram saqueados.
As telhas da sede da
fazenda foram roubadas.
Os sem-terra picharam
paredes, arrancaram portas e janelas e espalharam fezes pelo chão.
Bombas caseiras foram
escondidas em trincheiras.
Animais de estimação,
abatidos a golpes de lança, foram jogados em poços de água potável.
Quatro dias depois, quando
a polícia finalmente conseguiu retirar os sem-terra da fazenda, só sobravam
ruínas.
A barbárie, embora não
seja exatamente uma novidade na trajetória do MST, é um retrato muito atual do
movimento, que festejou seu aniversário de 25 anos na semana passada.
Suas ações recentes,
repletas de explosão e fúria, já deixaram evidente que a organização não é mais
o agrupamento romântico que invadia fazendas apenas para pressionar governos a
repartir a terra.
Agora, documentos internos
do MST, apreendidos por autoridades gaúchas nos últimos seis anos e obtidos por
VEJA, afastam definitivamente a hipótese de a selvageria ser obra apenas
daquele tipo de catarse que, às vezes, animaliza as turbas.
O modo de agir do MST,
muito parecido com o de grupos terroristas, é uma estratégia.
A papelada, cadernos, agendas
e textos esparsos que somam mais de 400 páginas, é uma mistura de diário e
manual da guerrilha.
Parece até uma versão
rural, porém rudimentar, do texto O Manual do Guerrilheiro Urbano, escrito por
Carlos Marighella e bússola para os grupos que combateram o regime militar
(1964-1985).
Os documentos explicam por
que as ações criminosas do movimento seguem sempre um mesmo padrão.
O registro mais revelador
sobre a face guerrilheira do MST é formado por quatro cadernos apreendidos pela
polícia com os invasores da Estância do Céu em maio passado.
As 69 páginas, todas
manuscritas, revelam uma rotina militarizada e bandida.
"MUITA ARMA NO ACAMPAMENTO", escreveu Adriana Cavalheiro, gaúcha de cerca de 40
anos, uma das líderes da invasão, ligada aos dirigentes do MST Mozart Dietrich e Edson Borba.
Em outro trecho, em forma
de manual, o texto orienta os militantes sobre como agir diante da chegada da
polícia.
"Mais pedra, ferros
nas trincheiras (...) Zinco como escudo (...) Bombas tem um pessoal que é
preparado. Manter a linha, o controle de horas e 800 ml", anotou a
militante, descrevendo a fórmula das bombas
artesanais, produzidas com
garrafas de plástico e líquido inflamável.
O manual orienta os
militantes a consumir o que é roubado para evitar a prisão em flagrante.
Também dá instruções (veja
trechos) sobre como fraudar o cadastro do governo para receber dinheiro
público.
Há até dicas sobre
políticos que devem ser acionados em caso de emergência.
Basta chamar o deputado federal Adão Pretto e o ex-deputado estadual Frei Sérgio.
Ganha um barraco de lona
preta quem souber o partido da dupla.
Em seus capítulos não
contemplados pelo Código Penal, o manual expõe uma organização claramente
assentada sobre um tripé leninista, com doutrinação política, centralismo duro
e vida clandestina.
Além de teorias
esquerdistas, repletas de homenagens a Che Guevara e Zumbi dos Palmares, há
relatos de espionagem e tribunais de disciplina.
Uma militante, que
precisou de "licença" de um mês para fazer uma cirurgia, só foi
autorizada a realizar o tratamento com a condição de que ele fosse feito num
único dia.
Brigas, investigações
internas e punições também explicitam o rígido e desumano controle exercido
sobre suas fileiras.
"Assim como nas favelas
controladas pelo narcotráfico, o MST atua como polícia e juiz ao impor e
fiscalizar seu código de conduta", afirma o filósofo Denis Rosenfield.
Exagero?
Talvez não.
Dos 800 invasores que depredaram a fazenda Estância do
Céu, por exemplo, 673 já foram identificados.
Nada menos que 168 tinham passagem pela polícia.
Havia antecedentes de furto, roubo e até estupro.
"O MST é formado por alguns desvalidos, vários
aproveitadores e muitos bandidos",
diz o promotor Gilberto Thums, do Ministério Público gaúcho.
"Eles usam táticas de guerrilha rural para tomar
territórios escolhidos pelos líderes."
Embora raramente sejam
expostos à luz, manuais de guerrilha são lidos como best-sellers nos
acampamentos.
Também no Rio Grande do
Sul, berço e laboratório do MST, a polícia apreendeu três documentos que
registram o lastro teórico de sua configuração de guerra.
O mais recente, apreendido
em julho passado, orienta os militantes a "se engajar na derrubada de
inimigos estratégicos".
Os inimigos, claro, não se
resumem aos gatinhos das fazendas ocupadas pelo MST.
O objetivo é a
"derrota da burguesia", o "controle do estado" e a
"implantação do socialismo".
O documento lista exemplos
de como "interromper as comunicações do inimigo" e "incendiar as
proximidades para tornar o ambiente irrespirável".
Pode não ser obra do
acaso.
Há dois anos, um membro
das Farc foi descoberto pela polícia em meio aos sem-terra gaúchos.
A combinação entre teoria
e prática deixa poucas dúvidas sobre os propósitos do MST.
O movimento, que seduziu a
intelectualidade nos anos 80 e caiu nas graças do povão na década seguinte,
está marchando para a guerrilha rural.
DIZ O FILÓSOFO ROBERTO ROMANO:
"O MST está se filiando à tradição leninista de
tomada violenta do poder por meio de uma organização centralizada e
autoritária".
O CHEFÃO E O PRESIDENTE O comandante-em-chefe do MST, João Pedro Stedile, e o presidente Lula com um boné do movimento.
Simpatia recíproca,
alianças, muitos cargos no Incra para os sem-terra e trégua nos ataques ao
governo.
A estratégia da guerrilha
é um sucesso recente nos pampas graças a sua eficácia.
As invasões e os
acampamentos têm funcionado em muitos casos.
Em novembro passado, após
cinco anos de guerra com o MST, o fazendeiro Alfredo Southall resolveu vender a Estância do Céu ao Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
"Cansei da batalha. Joguei a toalha", desabafa.
Suas terras serão
transformadas em um assentamento para 600 famílias.
O fazendeiro gaúcho Paulo
Guerra teve sua fazenda invadida seis vezes desde 2004.
Os invasores destruíram
uma usina hidrelétrica e 300 quilômetros de cercas.
Também queimaram dois
caminhões, dois tratores e onze casas, além de abaterem 300 bois.
"Minha família se dedica à fazenda há 100 anos.
Podemos perder tudo, mas não vamos entregar nosso patrimônio ao MST", diz.
Nos últimos dois anos, mais de 600 processos já foram abertos contra militantes
do movimento. Uma ação judicial pede que o MST seja colocado na ilegalidade.
Enquanto ela não é julgada, porém, os promotores têm conseguido impedir seus
integrantes de circular em algumas regiões. "Não se trata de remover
acampamentos. A intenção é desmontar bases usadas para cometer reiterados atos
criminosos", justifica o
promotor Luis Felipe Tesheiner.
O MST passa atualmente por
uma curiosa transmutação política.
Desde a chegada ao poder
de Lula e do PT, aliados históricos do movimento, a sigla abrandou os ataques ao
governo federal.
A trégua, que beneficia a
ambos, permitiu que os sem-terra apadrinhassem vinte dos trinta
superintendentes regionais do Incra.
É um comportamento muito
diferente de quando o MST liderou as manifestações "Fora, FHC" e invadiu a fazenda do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 2002.
O terrorismo agora é
praticado preferencialmente no quintal de governadores de oposição a Lula, como
a gaúcha Yeda Crusius e o paulista José Serra.
A reputação do MST
acompanha sua guinada violenta.
Dez anos atrás, a maioria
dos brasileiros simpatizava com a sigla.
Agora, a selvageria,
aliada à extraordinária mobilidade que levou 14 milhões de pessoas a ascender
socialmente nos últimos anos, mudou a imagem do movimento.
Pesquisa do Ibope
realizada no ano passado mostra que metade dos entrevistados é contra os
sem-terra.
O MST, hoje, é visto como
sinônimo de violência.
"As pessoas descobriram que é possível melhorar
de vida sem que para isso seja necessário fazer uma revolução", diz o presidente do Ibope, Carlos Augusto
Montenegro.
ÀS VEZES É PRECISO TEMPO PARA ENXERGAR O ÓBVIO.
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